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Por Ricardo Lima
Em meio a cortes de orçamento, o Serviço Geológico do Brasil (SGB) tenta ampliar sua atuação na identificação de minerais estratégicos por meio de parcerias com governos estaduais. O objetivo é mapear áreas com potencial para extração de metais essenciais à transição energética, mesmo diante da baixa estrutura e escassez de recursos. Informações reveladas pela Folha de S. Paulo.
A corrida geopolítica por esses insumos já mobiliza acordos internacionais. Recentemente, os Estados Unidos firmaram uma aliança com a Ucrânia para garantir acesso às reservas de terras raras, além de manifestarem interesse em explorar jazidas submarinas. Nesse cenário, os países que liderarem a abertura de grandes minas devem consolidar mercados e aumentar sua influência na nova economia energética.
Apesar de possuir uma geologia promissora, o Brasil ainda conhece pouco do seu subsolo em comparação com países desenvolvidos. Para avançar nesse diagnóstico, o SGB, ligado ao Ministério de Minas e Energia, busca viabilizar estudos geológicos detalhados que possam orientar a iniciativa privada.
Potencial inexplorado e desafios operacionais
Atualmente, apenas 27% do território nacional foi mapeado na escala de 1:100 mil — padrão internacional mais utilizado em levantamentos geológicos. A expansão dessa cobertura exige mão de obra qualificada e investimentos robustos. Segundo Valdir Silveira, diretor de Geologia e Recursos Minerais do órgão, seriam necessários dois geólogos atuando por dois anos para mapear 3 mil quilômetros quadrados com qualidade adequada, enquanto o Brasil possui 8,5 milhões de quilômetros quadrados. “Com essa força de trabalho e os investimentos que a gente tem atualmente, nós vamos demorar 110 anos para mapear o país inteiro”, afirmou.
Como alternativa, o SGB pretende ampliar os levantamentos aerogeofísicos, que utilizam sensores em aeronaves para captar dados sobre o magnetismo, densidade e radioatividade das rochas. Esses métodos foram aplicados entre 2011 e 2015, cobrindo metade do território nacional, mas acabaram sendo descontinuados em governos posteriores.
A retomada dessa estratégia começou com a contratação da empresa espanhola Xcalibur, que venceu uma licitação para mapear um milhão de quilômetros lineares — área equivalente ao estado da Bahia. O investimento necessário é de quase R$ 700 milhões, valor superior ao orçamento total do SGB em 2023, que foi de R$ 633 milhões, majoritariamente destinado a gastos com pessoal.
Parcerias estaduais e municípios prioritários
Diante da limitação orçamentária, a estratégia do SGB tem sido compartilhar os custos com estados interessados. Com R$ 17 milhões já disponíveis e promessa do governo federal de aportar mais R$ 100 milhões, o órgão busca viabilizar a participação de entes federativos em levantamentos regionais. O governo do Tocantins, por exemplo, negocia uma emenda de R$ 40 milhões para aderir ao projeto. Já houve diálogo também com autoridades de Goiás, Bahia e Minas Gerais.
Os primeiros esforços serão concentrados em áreas que já apresentam sinais de grandes reservas. De acordo com mapeamento do SGB, estão no radar províncias geológicas como Carajás (PA), rica em ferro, cobre e ouro; Borborema (NE), com potencial para titânio e mármore; Faixa Brasília (GO), conhecida por depósitos de zinco e pedras preciosas; e Alta Floresta (MT), uma das maiores reservas de ouro do país.
O caso do lítio em Minas Gerais é um exemplo de como o mapeamento pode atrair investimentos privados. Iniciado em 2012, o estudo foi disponibilizado quatro anos depois. A partir daí, houve um crescimento expressivo no número de pedidos de pesquisa, que saltou de 360 para cerca de 3 mil. A Sigma Lithium, uma das empresas atuantes na região, já realiza exportações desde 2023.
Para o gerente de desenvolvimento da Xcalibur na América Latina, Andre Rabelo, o foco deve estar nas áreas com maior potencial já identificado. Segundo ele, não é necessário mapear todo o país novamente, mas sim agir rapidamente nas regiões estratégicas. Ele destaca, no entanto, que o orçamento é o principal entrave, uma vez que os recursos públicos variam conforme o cenário político e econômico.
A interferência política, inclusive, é apontada como uma das principais barreiras ao fortalecimento do SGB. Ex-presidente da entidade entre 2003 e 2011, Agamenon Dantas afirma que há pressões para que os levantamentos beneficiem interesses pontuais de parlamentares e empresas, o que compromete a independência técnica. “ A maioria das pessoas que tomam decisões no setor de mineração é leiga”, disse.
Entre os cinco diretores da autarquia, apenas dois são especialistas em geologia. O atual presidente, Inácio Melo, não possui formação na área e é casado com a senadora Eliziane Gama (PSD-MA). Os diretores de Administração e Infraestrutura também vêm de áreas externas ao setor mineral.
Mesmo assim, Dantas destaca que os mapeamentos são cruciais para o futuro do país. Segundo ele, o ciclo entre o início do levantamento e a operação de uma mina pode levar até uma década, o que demanda planejamento de longo prazo. Entre 2004 e 2014, o Brasil investiu cerca de US$ 183 milhões (equivalente a R$ 1 bilhão) em estudos geológicos, aproveitando um período de maior estabilidade orçamentária. “conseguimos mapear 12% do Brasil, mas isso porque não nos faltou dinheiro”, afirmou.