por Fernando Moreira de Souza
Autoridades e especialistas debateram, durante o evento Os Desafios da Agenda de Minerais Estratégicos para o Brasil, realizado pelo Correio Braziliense com apoio do Instituto Escolhas, as principais estratégias para combater a mineração ilegal no Brasil, com foco nas terras indígenas. O evento destacou a urgência de reforçar a regulação do setor aurífero e de fortalecer as instituições responsáveis pela fiscalização. Participaram do debate figuras como Marivaldo Pereira, secretário nacional de assuntos legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Publica, Mauro Henrique Souza, diretor-geral da Agência Nacional de Mineração (ANM); Larissa Rodrigues, diretora de pesquisa do Instituto Escolhas; e Frederico Bedran, advogado e presidente da Comissão de Direito Minerário da OAB-DF.
Marivaldo Pereira, secretário do Ministério da Justiça, abordou a escalada da mineração ilegal no Brasil, especialmente após a crise na Terra Indígena Yanomami em 2023. A ação de facções criminosas no garimpo, segundo Pereira, transformou a atividade em um problema que vai além da regularização ambiental, tornando-se uma área de atuação de grandes organizações criminosas.
“Não podemos tratar a mineração apenas como um problema ambiental”, afirmou. Como resposta, foi criado o Projeto de Lei 3025/2023, que propõe, entre outras medidas, o fim da presunção de boa-fé na comercialização de ouro, dificultando a legalização de ouro extraído de maneira ilegal.
Pereira enfatizou que, embora o endurecimento das regras seja necessário, ele não é suficiente. O fortalecimento da fiscalização e a implementação de mecanismos de rastreamento financeiro, sob a supervisão do Banco Central, foram apontados como medidas essenciais para enfrentar o problema.
Outro ponto abordado no evento foi a fragilidade das instituições responsáveis pela fiscalização ambiental e mineral, como o Ibama, a ANM, o ICMBio e a Polícia Federal. Marivaldo Pereira lamentou o desmonte dessas instituições, o que, segundo ele, comprometeu o controle das atividades ilegais, permitindo o avanço do garimpo em áreas protegidas.
Além disso, os impactos ambientais da mineração ilegal, como a contaminação por mercúrio, foram destacados. O uso indiscriminado dessa substância nos garimpos, que afeta tanto os trabalhadores quanto as populações indígenas, continua sendo um desafio a ser enfrentado.
Rastreabilidade do Ouro: Avanços e Desafios
Henrique Souza, diretor-geral da ANM, destacou que a mineração, mesmo legal, precisa ser analisada sob diferentes perspectivas: econômica, ambiental, social e jurídica. Ele ressaltou que o ouro, apesar de sua importância econômica, é frequentemente associado a práticas ilegais que comprometem a imagem da atividade.
Souza também lembrou que a responsabilidade pela regulação do setor não deve recair apenas sobre a ANM. Para ele, a sociedade como um todo, incluindo o setor produtivo, deve estar ciente da origem do ouro que consome.
No campo das políticas públicas, a obrigatoriedade da nota fiscal eletrônica, instituída pela Receita Federal em 2023, e a decisão do STF que revogou a presunção de boa-fé nas compras de ouro, são exemplos de avanços. No entanto, a rastreabilidade plena ainda não foi alcançada. O Projeto de Lei 3025/2023, embora importante, foi criticado por não refletir os avanços já alcançados e por não incorporar mecanismos eficazes para rastrear a origem do ouro.
A mineração ilegal está diretamente ligada ao crime organizado, com cerca de 80% do ouro extraído de garimpos ilegais sendo comercializado no mercado paralelo. A segurança pública, portanto, está intimamente conectada a essa questão, além dos impactos ambientais e econômicos.
Operações de combate à mineração ilegal, realizadas por órgãos como a Polícia Federal e o Ibama, têm sido insuficientes para interromper o fluxo de ouro ilegal. A rastreabilidade, considerada como a chave para solucionar o problema, precisa ser implementada de maneira eficaz para garantir a transparência na comercialização do ouro e para impedir sua entrada no mercado internacional de forma ilícita.
Larissa Rodrigues, diretora de pesquisa do Instituto Escolhas, destacou a importância da Agência Nacional de Mineração (ANM) para o setor mineral e a necessidade de fortalecer sua estrutura. Ela criticou a fragilidade da ANM, que, segundo ela, não pode ser mais aceita como parte de um dos setores econômicos mais relevantes do Brasil. Em sua fala, Larissa ressaltou que a mineração ilegal não é um problema novo, mas que, nos últimos anos, se tornou ainda mais grave. Ela citou dados do Instituto Escolhas, que indicaram que 54% da produção de ouro nacional tinha indícios de ilegalidade.
Larissa também destacou o esforço conjunto do governo, setor privado e sociedade para combater a extração ilegal de ouro, mencionando o Projeto de Lei 3025/2023 e a implementação da nota fiscal eletrônica pela Receita Federal, que contribuiu para reduzir a ilegalidade na produção. Ela mencionou que, com essas medidas, houve uma queda de 45% na produção de ouro registrada pelos garimpos na Amazônia, sinalizando o impacto positivo das ações de rastreabilidade e regulação.
Desafios e Soluções Legais em Discussão
Frederico Bedran, advogado, geólogo e presidente da Comissão de Direito Minerário da OAB-DF, destacou a importância de tratar a mineração ilegal como um tema de segurança pública, não apenas ambiental. Ele mencionou a complexidade da situação, com cerca de 80% da produção de ouro de garimpos, tanto legal quanto ilegal, indo para o mercado paralelo e alimentando o crime organizado. Bedran enfatizou que, apesar das ações recentes do governo, como a implementação da nota fiscal eletrônica, essas medidas não foram suficientes para resolver o problema.
Ele criticou o Projeto de Lei 3025/2023 por não abordar de maneira eficaz a rastreabilidade do ouro e defendeu a necessidade urgente de um sistema robusto para garantir a origem do ouro. Bedran também ressaltou a importância de envolver todos os setores, incluindo a grande mineração, garimpeiros e cooperativas, no processo de implementação da rastreabilidade. Por fim, ele destacou que, sem uma ação coordenada para garantir a rastreabilidade, o Brasil continuará perdendo a oportunidade de restabelecer o ouro como um produto ético e responsável.
O Projeto de Lei nº 836, que trata da rastreabilidade do ouro, já aprovado pelo Senado, segue em análise na Câmara dos Deputados. A proposta visa coibir o comércio ilegal e fortalecer o garimpo legal, sendo considerada essencial para a segurança pública e a justiça econômica.
Apesar de avanços como o pré-acordo entre a ANM e a Casa da Moeda para o desenvolvimento de soluções tecnológicas de rastreamento, ainda há desafios a serem superados. Além disso, o uso do mercúrio nos garimpos, embora ainda ilegal, segue sendo um problema, com projetos em andamento para combater essa prática.
Por fim, a falta de aplicação plena da Convenção 169 da OIT, que garante o direito de consulta prévia às comunidades indígenas, continua a gerar insegurança jurídica e a travar a regulamentação da atividade garimpeira. A ausência de políticas públicas claras nessa área impede o avanço de projetos e coloca em risco a segurança territorial das populações indígenas.