De acordo com reportagens publicadas pela Folha e Reuters, a Justiça Federal suspendeu provisoriamente regras recentes da Agência Nacional de Mineração (ANM) que impõem restrições ao reaproveitamento de estéreis e rejeitos — resíduos gerados no processo de extração mineral. A decisão atende a um pedido do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa grandes empresas do setor, como Vale, Samarco, Alcoa e Companhia Brasileira de Alumínio. O processo judicial, que corre na 21ª Vara Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, é mais um capítulo de um embate que pode movimentar mais de R$ 20 bilhões por ano.
Mercado bilionário de rejeitos
Os rejeitos de mineração, embora por muito tempo considerados resíduos inúteis, tornaram-se recursos estratégicos. Atualmente, são utilizados na produção de areia industrial para construção civil, cimento, tijolos e até na pavimentação de estradas. No caso do minério de ferro, o Brasil produz cerca de 450 milhões de toneladas anuais — entre 30% e 50% disso se transforma em rejeito. A extração de bauxita, por sua vez, gera até 70% de rejeitos. Já na mineração de ouro, são necessárias até 3 milhões de toneladas de minério para se obter uma tonelada do metal precioso, o que gera volumes imensos de resíduos.
Estudos apontam que só o mercado de areia de rejeitos pode movimentar mais de R$ 20 bilhões anualmente, tornando o controle e a regulação desses materiais um tema altamente sensível para o setor.
Conflito sobre direito de reaproveitamento
O centro da disputa está em uma norma da ANM publicada no fim de 2024, que exige a constituição de servidão minerária para o reaproveitamento de rejeitos localizados fora da poligonal de lavra — a área originalmente autorizada para a extração mineral. Segundo o Ibram, a medida é ilegal, pois viola o direito de propriedade do minerador sobre os rejeitos e estéreis, além de extrapolar a competência da agência reguladora.
A juíza federal Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, responsável pela liminar, afirmou que as novas exigências alteram de forma substancial o regime jurídico da concessão mineral, ferindo a segurança jurídica e a previsibilidade regulatória. “A medida ora concedida possui caráter provisório e é plenamente reversível, não implicando em ônus desproporcional à parte contrária”, ressaltou na decisão de 31 de março.
Impactos para segurança e sustentabilidade
Em nota, o Ibram classificou as resoluções da ANM como um “passivo regulatório significativo”, com potencial para frear avanços em segurança e sustentabilidade no setor mineral. Para o instituto, as novas regras dificultam ou até impedem que as próprias empresas mineradoras reaproveitem seus resíduos, criando obstáculos para iniciativas sustentáveis e aumentando o risco de colapsos estruturais nas áreas de disposição.
“Além de cassar um direito real de servidão minerária, ao permitir intervenções por terceiros em áreas críticas de disposição de rejeitos e estéreis, essas normas da ANM aumentam os riscos de colapsos, nas estruturas de disposição desses materiais, entre outros eventos indesejáveis”, diz a entidade, presidida por Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa.
A ANM, por sua vez, não comentou o caso à imprensa. Nos autos do processo, defende que as novas regras visam padronizar e formalizar o processo de reaproveitamento de rejeitos, garantindo segurança jurídica também para os proprietários de terras onde os resíduos estão depositados.
Pressões internas e orçamento da agência
O caso também expôs fragilidades estruturais da própria ANM. Em março, o Sinagências (Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação) divulgou uma nota cobrando mais investimentos e a contratação de servidores. Segundo o sindicato, a ANM só recebe reforço orçamentário após desastres, o que compromete sua capacidade de regulação preventiva. O acordo de repactuação da tragédia de Mariana (MG), homologado em 2023 pelo Supremo Tribunal Federal, destinou R$ 1 bilhão para ações de prevenção e mitigação de riscos na mineração.
Com a judicialização do caso, o setor aguarda a análise definitiva da legalidade das resoluções da ANM. Enquanto isso, os embates sobre quem tem direito ao que sobra da mineração — e quanto isso vale — continuam em pauta no Judiciário.