O fortalecimento da Agência Nacional de Mineração (ANM) é uma medida emergencial para retrair com vigor as ações do garimpo ilegal, inclusive na Amazônia, onde atuam milhares de pessoas nessa atividade à margem da lei. Com maior capacidade de fiscalização das atividades irregulares e com mais equipamentos e pessoal, a ANM poderia contribuir para a implantação de novos sistemas de rastreamento do ouro, desde sua origem.
Fragilizada em termos de orçamento, equipamentos, infraestrutura e pessoal, a ANM apresenta deficiências na prestação de serviços de regulação e fiscalização, conforme relato de Karen Pires, especialista em Recursos Minerais da agência.
“Não há mineração forte sem uma ANM forte”, avalia Raul Jungmann, diretor-presidente do IBRAM ao defender uma maior atenção do setor público para eliminar as deficiências flagrantes da agência, que motivaram, inclusive, greve dos seus servidores. A situação é de “caos institucional” diz Karen. Criada desde 2017, a ANM “é uma agência que (na prática) não é uma agência” por causa dessa situação, resume ela.
Para Jungmann, debelar o garimpo ilegal exige medidas como o fortalecimento da ANM e fechar as possibilidades de negociar o ouro dessa fonte criminosa, que destroi a natureza e as pessoas, inclusive povos originários. Ele lembra que a destruição da floresta pelo garimpo ilegal contribui para ampliar os danos causados pelas mudanças climáticas, o que aumenta a importância da mobilização da sociedade e das autoridades para combater as atividades ilícitas.
“O setor mineral amadureceu posicionamento de se engajar na defesa da Amazônia”, afirma, já que, segundo ele, é ação primordial para evitar a deterioração progressiva do planeta pelas ações danosas das mudanças no clima. Para ele, solapar o garimpo ilegal, atrair as pessoas que nele atuam para a legalidade e para a sustentabilidade, agir contra as desigualdades socioeconômicas na Amazônia, são ações para encaminhar soluções a esta complexa questão.
Karen e Jungmann foram debatedores do painel “Certificação do Ouro: tecnologias e mercado”, realizado na manhã desta 3ª feira (29), no 2º dia da EXPOSIBRAM 2023, em Belém (PA). Também participaram José Luiz Ubaldino de Lima, diretor de Geologia e Produção Mineral do Ministério de Minas e Energia; e o deputado federal Joaquim Passarinho, que atuou como moderador.
ANM proporciona grande arrecadação, mas orçamento é contingenciado
Segundo Karen, embora tenha proporcionado a segunda melhor arrecadação de recursos em 2021 (R$ 12 bilhões) entre 11 agências reguladoras – ficou atrás apenas da ANP (R$ 32 bilhões) – o orçamento da ANM é apenas o 9º dessas mesmas 11 agências. A ANM, disse, tem apenas 682 servidores e apresenta 70% de vacância de servidores.
Essa força limitada de trabalho tem sob sua responsabilidade 86 mil processos em fase de pesquisa; 39 mil lavras. Mas conta apenas com 150 fiscais, sendo 4 para cuidar da fiscalização sobre recolhimento da compensação sobre a exploração mineral, a CFEM, relata Karen.
Pela legislação, a ANM tem direito a receber 7% da CFEM arrecadada, porém, há anos seu orçamento está contingenciado pelo governo federal. De acordo com o deputado Passarinho, representante da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável, “nenhum governo cumpriu a lei e liberou os 7% para a ANM (…)O orçamento da ANM é menor do que o da área de tecnologia da informação da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres)”. Assim como Raul Jungmann, ele apoia medidas urgentes para fortalecer a agência. O mesmo diz José Luiz, do MME: “o MME comunga desse opinião e está se esforçando para isso”.
Em sua manifestação sobre o tema rastreamento do ouro, José Luiz disse que o MME tem mantido contatos com organizações diversas para desenvolver soluções que culminem em um sistema de rastreamento da cadeia desse metal de forma segura, transparente e com controle por parte do Estado. Citou a Casa da Moeda e o Instituto Escolhas, como exemplos. Ele acredita que um sistema eficiente terá que permitir a troca e o compartilhamento de informações em tempo real entre os agentes públicos.
Segundo Karen Pires, da ANM, há problemas a serem superados. Um deles é que os sistemas da agência não têm interação com outros do poder público. Precisam ser modernizados para que seja possível evoluir para uma plataforma integrada e com dados obrigatoriamente estruturados para ser possível conduzir o rastreamento da cadeia até se chegar à certificação, processo mais complexo. “O problema mais grave é a falta de orçamento da agência”, sublinha.
Para Raul Jungmann a rastreabilidade do ouro já conta com instrumentos positivos. Exemplo é a plataforma de compra responsável de ouro (PCRO), criada pela parceria entre USP, Instituto Igarapé e WWF. Com acesso gratuito na web, ela permite identificar se o ouro comercializado no Brasil tem origem legal ou apresenta suspeita de ilegalidade. “O IBRAM age para que órgãos públicos e iniciativa privada e também compradores externos de ouro utilizem essa plataforma para reduzir seus riscos de estarem participando, eventualmente, do fomento à atividade ilegal”, diz.