Comente, compartilhe e deixe sua opinião nos comentários! Sua participação é essencial para enriquecer o debate
Por Fernanda de Araujo Nunes*
26 de outubro de 1985. O Dr. Emmett Brown apresenta sua máquina do tempo para Marty McFly – o lendário DeLorean – que utiliza plutônio, um subproduto do urânio, para alimentar o “capacitor de fluxo” – um reator nuclear caseiro que, ao atingir 1,21 gigawatts de potência, permitiria uma viagem pelo contínuo espaço-tempo, rompendo as barreiras temporais.
Hoje, 40 anos depois, podemos acreditar que o clássico dos anos 80 – De Volta para o Futuro – ultrapassou os tapetes vermelhos de Hollywood. O que era apenas ficção, pode estar bem debaixo de nossos pés. Máquina do tempo? Não. Mas o futuro do Brasil, que é verde e brilha nas profundezas do nosso solo: o urânio.
Com grande relevância no cenário global, tanto pelo seu valor estratégico quanto pela sua importância na matriz energética de diversas nações, o urânio ganhou evidência e o título de mineral estratégico nos últimos anos. Com a possibilidade de geração de energia nuclear, ainda que envolta em debates sobre riscos e segurança, o seu aproveitamento permite a geração uma das fontes mais limpas e eficientes de energia, com elevada densidade energética e baixa emissão de gases de efeito estufa.
Além de contribuir para o futuro energético global, o urânio é estratégico para o futuro do Brasil. Nosso país possui a 5ª maior reserva mundial de urânio, com depósitos significativos em Santa Quitéria/CE e Caetité/BA. São reservas estimadas em 230.000 toneladas1 e projetos que podem multiplicar por 11 vezes o volume de extração de urânio no país, tornando o Brasil autossuficiente para abastecer suas usinas e possíveis compradores de fora, rendendo até R$ 1 bilhão por ano2. Assim, o Brasil se encontra em posição privilegiada no cenário global.
O aproveitamento desses depósitos pode posicionar o Brasil como um dos principais players globais na corrida da transição energética, uma vez que seria uma alternativa viável
para a diversificação da matriz energética e a redução da dependência de combustíveis fósseis. Com um potencial de grande escala, o Brasil saltaria para o protagonismo na produção e no fornecimento desse recurso estratégico.
No entanto, atualmente, esse potencial é subaproveitado: a produção nacional de urânio ainda é modesta e não reflete a magnitude das reservas existentes, resultado de entraves regulatórios, restrições de investimento privado e da concentração da exploração sob o monopólio da União. Com isso, o urânio representa um nó estratégico entre geologia, energia, defesa, meio ambiente e regulação estatal.
O monopólio da União sobre atividades nucleares (pesquisa, lavra, enriquecimento, reprocessamento, comercialização de minérios nucleares e seus derivados) está assentado constitucionalmente e em um arcabouço legal antigo. Como consequência a exploração do recurso esbarra em diversas restrições normativas específicas e fortemente centralizadas, de modo que esse aproveitamento não se mostra tão simples, e o Brasil acaba ficando estagnado em suas “amarras” legislativas.
O Legislativo brasileiro tem se posicionado sobre o tema a partir de normativas e disposições sobre esse monopólio. A Lei 14.514/2022 funcionou como um dispositivo jurídico para romper a inércia do modelo nuclear brasileiro. Porém, ela reafirmou o monopólio da União. Embora tenha criado canais de participação privada, manteve a submissão e regulação das contratações e licenciamentos de atividades de pesquisa e lavra ainda sob os olhos da União, por meio das Indústrias Nucleares Brasileiras – INB. Por outro lado, a lei definiu os minérios nucleares como recursos estratégicos, possibilitando que o urânio superasse a barreira de uma simples commodity e se colocasse como o combustível necessário para projetar o Brasil para o futuro da energia limpa e da geopolítica internacional.
Portanto, assim como o capacitor de fluxo (flux capacitor) permitia ao DeLorean romper as barreiras do tempo, a partir da energia nuclear, o Brasil pode usar o urânio para projetar seu futuro. O combustível não é apenas uma energia física. É inovação, capacidade de transformação e protagonismo.
Vivemos a necessidade de uma evolução legislativa para um maior e mais flexível aproveitamento do urânio, assim como acontece com os demais recursos minerais. Essa evolução possibilitaria o desenvolvimento de tecnologias e processos de beneficiamento
ainda em solo brasileiro, agregando relevante valor ao produto, potencializando a capacidade de autoabastecimento do país e colocando o Brasil à frente em um contexto global cada vez mais competitivo.
A analogia com o clássico dos anos 1980 – De Volta para o Futuro – é instigante e ilustrativa. Mas nos lembra que, com o combustível certo e a direção adequada, o salto para o futuro não é ficção — é uma possibilidade real. Se o capacitor de fluxo de Doc. Brown permitia que o DeLorean rompesse as barreiras do tempo, pode-se acreditar que o Brasil também tem seu DeLorean, alimentado por um capacitor de fluxo capaz de levá-lo ao protagonismo do tabuleiro geopolítico mundial e na corrida da transição energética.
O Brasil encontra-se diante de uma oportunidade histórica: transformar seu vasto potencial geológico em protagonismo geopolítico. Com uma das maiores reservas de urânio do mundo e um compromisso constitucional com o uso pacífico da energia nuclear, o país reúne os elementos essenciais para se consolidar como um player estratégico no mercado global. No entanto, essa vocação exige mais do que recursos naturais — demanda visão de futuro, evolução normativa e segurança jurídica.
Portanto, basta a melhor escolha entre o Estado presente, limitado por entraves burocráticos e pela inércia histórica, ou uma postura ousada, com flexibilizações normativas, segurança jurídica, investimentos em tecnologia e um debate transparente sobre os riscos e benefícios do aproveitamento nuclear.
E temos a sorte de que, ao contrário da ficção, não precisamos de carros voando em estacionamentos de shoppings ou esperar cair um raio na “Torre do Relógio” para gerar energia necessária para o rompimento das barreiras temporais. Como dito inicialmente, o urânio que brilha nas profundezas do nosso solo pode produzir “potência” e gigawatts necessários para acelerar essa viagem.
1 INB. Indústrias Nucleares do Brasil. Recursos: urânio. Disponível em https://https://www.inb.gov.br/Nossas-Atividades/Ur%C3%A2nio/Recursos. Acesso em 27 de setembro de 2025.
2 G1. Urânio no sertão: projeto para extração divide opiniões no Ceará. Rio de Janeiro, 09 de fevereiro de 2025.Disponível em https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2025/02/09/uranio-no-sertao-projeto-para-extracao-divide-opinioes-no-ceara.ghtml
*Fernanda de Araujo Nunes. Advogada na William Freire Advogados Associados, na equipe especializada em Direito Minerário. Graduada em Direito pela PUC Minas, Pós-Graduada em Direito da Mineração pelo CEDIN – Centro de Estudos em Direito. Pós-Graduada em Direito da Proteção e Uso de Dados, pela PUC Minas, e Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade FUMEC. Reconhecimento pela The Legal 500 Latin American, edição 2024, como advogada notável em “Minerário” e “Recursos Naturais e Regulação”.














