Comente, compartilhe e deixe sua opinião nos comentários! Sua participação é essencial para enriquecer o debate
REPORTAGEM ESPECIAL| JUDICIÁRIO
Por Warley Pereira e Teodoro Diniz
Quando assumiu como desembargador do TRF1, em abril de 2022, Eduardo Morais da Rocha se deparou com um cenário desafiador: 42 mil processos em tramitação, o maior acervo do país entre desembargadores da Justiça Federal. Cerca de 65% das ações envolviam o INSS, com demandas por aposentadorias, auxílios e benefícios de prestação continuada – muitos movidos por idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade.
Com sede em Brasília, o TRF1 tem jurisdição nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins. “Encontrei processos em que o titular do direito morreu antes do julgamento. Tive que habilitar herdeiros. Justiça tardia não é justiça”, diz o magistrado.
Foi nesse cenário que nasceu o Gabinete Zero, um projeto de reestruturação de gestão processual. Baseado em ferramentas simples, como planilhas do Excel e nuvem do OneDrive, o modelo criou um sistema de triagem, classificação e organização de julgamentos – tudo sem qualquer custo extra para o tribunal.
O desembargador conta que precisou suspender por dois meses julgamentos de processos para reorganizar seu gabinete. A aposta em uma nova metodologia de trabalho deu certo: o gabinete de Rocha zerou o passivo em dois anos e meio. De 600 processos que entram todo mês, no gabinete de Rocha, apenas quatro aguardam julgamento. Algo inédito na justiça brasileira.
E o mais importante é que essa metodologia não comprometeu a qualidade das decisões. “Nosso índice de reforma é um dos menores de todo o tribunal. Além de produtivo, nosso gabinete entrega julgados com alta consistência técnica”, diz Rocha.
Metodologia e engajamento dos servidores
O coração do projeto está em três planilhas interligadas, usadas para classificar os processos por matéria, outra para triagem completa dos casos, e uma terceira para montar as pautas de julgamento – já que, no segundo grau, as decisões são colegiadas. Mas o sucesso do projeto não se explica apenas pela organização técnica. os servidores passaram a se sentir parte do projeto, com especialização técnica e senso de pertencimento.
Para Rocha, o que realmente moveu a mudança foi o engajamento dos servidores. “Era preciso criar um sentimento de pertencimento. Transformamos a cultura do gabinete. Hoje, todos aqui sabem o impacto do que fazem na vida das pessoas”, afirma.
Esse impacto é real. Muitos dos processos tratam de valores que representam a única renda de famílias. “Para quem vive com um salário mínimo, dois meses de atraso no julgamento podem significar fome. Nós não estamos julgando papéis – estamos julgando a sobrevivência”, diz o desembargador.
Resposta à crise de morosidade no Judiciário
“Julgar não é apenas aplicar a lei. É aplicar com consciência do tempo e da realidade do jurisdicionado”, avalia Rocha. Para o desembargador, o projeto é uma resposta à crise de morosidade no Judiciário, mas também um chamado à responsabilidade pública.
“Nós somos servidores. Servimos ao cidadão. E o tempo do cidadão tem que ser respeitado. Não basta decidir: é preciso decidir em tempo útil, com qualidade e com humanidade.”
Eduardo Morais da Rocha – Desembargador Federal
O desembargador conta que deseja compartilhar com outros juízes a metodologia do Gabinete Zero. “Minha ideia é universalizar essa prática. Não quero que ela fique restrita ao meu gabinete. Com mais de 90 tribunais no país, acredito que, por meio da divulgação podemos combater a morosidade do Judiciário em escala nacional”, afirma Rocha.
Iniciativa chama atenção da OAB e CNJ
A simplicidade e a eficiência do modelo de gestão chamaram a atenção da OAB, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e também do Conselho da Justiça Federal (CJF), juízes e desembargadores de outros tribunais também já procuraram o gabinete de Rocha para replicar o modelo.
O INSS também procurou o desembargador interessado em estudar a metodologia para enfrentar o problema das filas no órgão. “Não quero que essa prática fique só comigo. Quero universalizar. Qualquer tribunal pode aplicar”, afirma.
“A atuação do desembargador é exemplar, mostrando que planejamento, gestão transparente e valorização da equipe são essenciais para enfrentar o desafio do acúmulo processual sem comprometer a qualidade das decisões judiciais”, diz Beto Simonetti, presidente da OAB.
Agora, Rocha avança para a próxima etapa: integrar inteligência artificial às planilhas, para automatizar a triagem dos processos — hoje feita manualmente. “Se tivéssemos isso no começo, não precisaríamos parar o gabinete por dois meses. Uma IA faria em um fim de semana o que fizemos em 60 dias”, explica.
Ele ressalta, no entanto, que a tecnologia deve sempre ser submetida à revisão humana. “A inteligência artificial é um meio, não o fim. A decisão final continuará sendo humana.”
O “Gabinete Zero” mostra que a solução para a morosidade judicial não depende apenas de grandes investimentos, mas de gestão, método e engajamento. Ao zerar um passivo histórico de 42 mil processos, Eduardo Moraes da Rocha aponta caminhos para um Judiciário mais ágil, próximo do cidadão e capaz de devolver, em tempo útil, aquilo que a Justiça mais deve garantir — dignidade para milhares de brasileiros.