A 2ª edição da Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias destacará os conflitos entre a mineração e o garimpo ilegal, uma questão crucial para a região. O garimpo ilegal, especialmente a extração clandestina de ouro, sustenta diversas atividades criminosas na Amazônia, com a comercialização desse metal frequentemente destinada a outros países. Essa prática resulta em graves consequências, como a devastação ambiental, a exploração e dizimação de povos indígenas, a contaminação de rios e o fortalecimento de redes de tráfico de drogas e exploração ilegal de madeiras nobres.
Por outro lado, a mineração industrial legalizada se apresenta como uma alternativa sustentável, mas enfrenta resistência e desafios significativos. Durante a conferência, que ocorrerá entre os dias 6 e 8 de novembro de 2024 em Belém (PA), Larissa Rodrigues, diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, e outros especialistas discutirão essas dinâmicas complexas e os obstáculos na busca por um desenvolvimento econômico que respeite a biodiversidade e os direitos das comunidades locais.
A extração e comercialização ilegais de ouro é uma pauta que o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), organizador da Conferência, e o Instituto Escolhas têm trabalhado em conjunto no intuito de combater a atividade não legalizada no país desde 2023.
Larissa destaca que, para combater a extração ilegal de ouro e outros minérios, o Brasil precisa de uma estratégia integrada. “É fundamental adotar um conjunto de medidas que se complementam. Precisamos aumentar os custos e, consequentemente, o risco financeiro das atividades ilegais, tornando-as menos atrativas economicamente. Isso inclui controles rigorosos sobre a comercialização do ouro, como a suspensão de transações baseadas apenas na boa-fé e a implementação de notas fiscais eletrônicas, medidas já adotadas em 2023”, analisa.
Segundo ela, essas ações já tiveram um impacto significativo no mercado, resultando em uma queda na produção oficial de ouro e nas exportações. “Em 2023, os garimpos deixaram de produzir oficialmente 14 toneladas de ouro, o que representa mais de R$ 4 bilhões. Anteriormente, o ouro ilegal era facilmente ‘esquentado’ e exportado como se fosse legal. Com os novos controles, essa prática foi dificultada, tornando o mercado ilegal menos atrativo e, consequentemente, aumentando o deságio de preços”, afirma.
Larissa também ressalta a importância de exigir comprovação de origem do metal nos mercados consumidores, ou seja, nos países que compram ouro do Brasil. “Precisamos combinar essas medidas de mercado com uma intensificação das operações de repressão ao crime, já que ambas aumentam os riscos financeiros da atividade ilegal. Essa combinação é essencial para combater efetivamente a extração ilegal”, conclui.
Larissa Rodrigues participará do debate sobre o tema no dia 7 de novembro, às 15h30. Confira a entrevista completa abaixo.
Qual a avaliação do Instituto Escolhas sobre a evolução do garimpo ilegal na Amazônia? Há casos de autoridades públicas que apoiam seu alastramento?
Larissa: Infelizmente, a extração ilegal de ouro tem sido crescente no país, especialmente em territórios indígenas na Amazônia. Em dez anos, entre 2012 e 2022, a extração ilegal de ouro nas Terras Indígenas aumentou mais de seis vezes. Em 2012, a área ilegal ocupava 3.459 hectares dentro desses territórios e, ao final de 2022, chegou a 22.637 hectares. Essa situação é gravíssima, pois leva à destruição ambiental de ecossistemas sensíveis, à contaminação por mercúrio e à violação de direitos humanos. É inimaginável e desolador que ainda hoje não tenhamos conseguido, como país, controlar esse problema. Por isso, precisamos tratar do combate à extração ilegal de modo sério e concreto, adotando não apenas uma, mas um conjunto de medidas, para pôr fim à extração ilegal.
Quais são as principais estratégias que é possível adotar para o país combater o garimpo ilegal na Amazônia?
Larissa: Para combater a extração ilegal de ouro, e outros minérios também, o país precisa de uma estratégia conjugada, ou seja, adotar não apenas uma, mas um conjunto de medidas, que se complementam para esse objetivo. De modo geral, é preciso aumentar os custos e assim o risco financeiro das atividades ilegais, para que elas sejam menos atrativas economicamente. Isso se faz, por exemplo, colocando controles sobre a comercialização do ouro, como, a suspensão das transações feitas apenas com base na boa-fé dos envolvidos e notas fiscais eletrônicas, medidas estas que foram implementadas ao longo de 2023. Essas medidas, recentes, já tiveram um efeito enorme no mercado, causando queda na produção de ouro oficialmente registrada e nas exportações. Por conta delas, em 2023, os garimpos deixaram de produzir oficialmente 14 toneladas de ouro, o equivalente a mais de R$ 4 bilhões de reais. Esse ouro, antes, além de todos os impactos ambientais e sociais, estava gerando uma concorrência desleal no mercado.
E por quê? Porque antes, sem nenhum controle, o ouro ilegal era facilmente “esquentado” e exportado como se fosse ouro legal, juntamente com o restante do ouro brasileiro. Agora, com algum controle, o ouro ilegal já não é “esquentado” e exportado tão facilmente. Ou seja, as medidas fecharam uma porta para o ouro ilegal, uma porta importante, que era a da exportação para grandes mercados externos. Isso gerou uma situação menos atrativa economicamente para o ouro ilegal, com isso o deságio de preços vai aumentando, e assim vamos “estrangulando” esse mercado ilegal.
Outra medida importante, que precisamos conseguir, é que os mercados consumidores, ou seja, os países que compram ouro do Brasil, exijam a comprovação de origem do metal, para fechar de vez qualquer porta para a entrada de ouro ilegal e não incentivar a prática aqui no Brasil. Precisamos também combinar com essas medidas mais de mercado, uma intensificação das operações de repressão ao crime, porque elas também aumentam os riscos financeiros da atividade ilegal. Assim, com essa combinação, entre controles de mercado e repressão, vamos conseguindo combater a extração ilegal de modo efetivo.
Como a governança e a fiscalização podem ser fortalecidas para garantir a sustentabilidade das atividades mineradoras na região?
Larissa: Infelizmente, temos pouca fiscalização das atividades mineradoras e isso gera um efeito terrível, com situações de total descontrole no país. Isso leva a impactos negativos concretos, como danos ambientais e sociais severos, que por sua vez trazem uma reputação negativa, tanto dentro do país, como no exterior. Em termos de governança, precisamos que a Agência Nacional de Mineração e os órgãos ambientais responsáveis pelos licenciamentos estejam fortalecidos, com pessoal e recursos, para ter boas análises dos processos e fazer a devida fiscalização. E estamos longe de ter isso. Sem o fortalecimento da Agência Nacional de Mineração e dos órgãos ambientais será muito difícil o Brasil conseguir falar de sustentabilidade e entrar de cabeça erguida nas negociações para novos projetos de minerais críticos e estratégicos.
Outro ponto importante na governança é a transparência em relação à fiscalização e monitoramento dos empreendimentos minerais, ou seja, dados que permitam a sociedade saber e cobrar se os empreendimentos estão cumprindo com o que está em seus licenciamentos. Por exemplo, quais empreendimentos minerais estão cumprindo adequadamente os requisitos de recuperação ambiental das áreas? Quais empreendimentos estão devendo em relação a isso? Pontos assim, bastante concretos, deveriam ser de fácil acesso.
De que maneira a Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias e, posteriormente, a COP30 podem influenciar a agenda de mineração sustentável e ajudar a resolver o conflito entre mineração legal e garimpo ilegal na Amazônia?
Larissa: Tanto a Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias, como, posteriormente, a COP30, são fóruns importantes onde o setor da mineração e o do meio ambiente se encontram. No entanto, os dois nunca estarão do mesmo lado da mesa enquanto o Brasil ainda registrar a invasão de Terras Indígenas e Unidades de Conservação para a extração ilegal de minérios, ou enquanto não tivermos fiscalização adequada dos projetos mesmo fora dessas áreas. Por isso, esses fóruns são tão importantes para discutirmos e implementarmos ações para que o próprio setor da mineração legal possa impulsionar o combate à ilegalidade e uma melhor governança ambiental e social Brasil afora, pois isso gera benefícios a todos.