O Brasil juntou-se a um crescente movimento internacional nesta sexta-feira ao defender uma pausa preventiva de “ao menos 10 anos” no início da sem precedentes mineração comercial em águas profundas durante uma reunião da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês).
Ativistas e cientistas argumentam que a atividade permaneça suspensa ao menos até que se saiba mais sobre seus ainda não completamente conhecidos, mas potencialmente catastróficos, danos ambientais.
O posicionamento foi lido pela embaixadora Elza Moreira Marcelino de Castro em uma sessão na tarde da última sexta-feira (14).De acordo com a declaração, “o Brasil acredita que o atual nível de conhecimento e a ciência atual são insuficientes para a aprovação de projetos de mineração em águas profundas além da jurisdição nacional”.
— O governo do Brasil fez progressos subsequentes desde a última reunião deste Conselho [em março] no sentido de apoiar, a partir de agora, uma pausa preventiva na mineração em águas profundas além da jurisdição nacional por um período máximo de dez anos — disse a embaixadora.
De acordo com o texto lido pela diplomata, que chefia a missão brasileira na Jamaica, “neste momento deve-se priorizar a proteção do fundo do mar internacional, até estudos compreensivos e conclusivos referentes aos impactos ambientais em potencial”.
Entre os possíveis malefícios, o comunicado brasileiro cita danos à capacidade de retenção de carbono dos oceanos e suas consequências para as mudanças climáticas e consequências para a biodiversidade.
— A abordagem preventiva, conforme entende o Brasil, não prejudica o desenvolvimento de novos mercados ou tecnologias — disse a diplomata.
— Nossa meta é garantir que as regras para a exploração futura dos recursos de águas profundas alcancem os altos padrões de proteção ambiental, responsabilidade social e governança, alinhados com esforços mais amplos para o combate às mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição de todas as formas.
Os danos
Mesmo que ainda desconhecidos, os danos podem ser grandes: segundo uma pesquisa divulgada na última sexta-feira, uma operação de teste realizada no Japão durou apenas duas horas, mas após um ano, a população de peixes e camarões na área reduziu cerca de 43%.
— Nós estamos muito felizes que o Brasil defendeu uma pausa preventiva por um “período mínimo” de dez anos.
O Brasil é um integrante muito influente do ISA e esperamos ver outros países se juntarem a ele para prevenir que o ISA abra o fundo do mar para mineração industrial em larga escala, que cientistas alertam que será altamente prejudicial para espécies e ecossistemas do fundo do mar, incluindo levar à extinção seres que ainda sequer conhecemos — disse ao GLOBO Matthew Gianni, co-fundador da Coalizão para a Conservação das Águas Profundas (DSCC, na sigla em inglês).
Segundo um levantamento feito pela DSCC, o Brasil junta-se a um grupo de ao menos outras 18 nações que defendem ao menos algum tipo de cautela na exploração — seja o veto, uma pausa ou uma moratória até que haja mais pesquisas ou regras pré-definidas para a extração.
A urgência do assunto ganhou destaque na última semana, após a expiração no domingo de um prazo de dois anos que a ISA tinha para chegar a um acordo para regular o tópico, algo que não conseguiu fazer.
- Moratória: Fiji, Palau, Samoa, Micronésia, Nova Zelândia, Suíça, Canadá;
- Pausa preventiva: Chile, Costa Rica, Equador, Espanha, Alemanha, Panamá, Vanuatu, República Dominicana, Suécia, Irlanda;
- Veto: França.
El Dorado ou catástrofe?
Na prática, o fim dos 24 meses força a ISA a aceitar propostas que parecem iminentes para a exploração comercial das reservas. Um dos temas da reunião que começou na segunda e vai até o dia 21 é determinar como possíveis solicitações serão abordadas — e Nauru já indicou que pretende apresentar um plano ainda neste ano.
De olho em vantagens econômicas, o país insular de 11 mil habitantes patrocina a empresa canadense The Metals Company (TMC), a quem oferece vantagens fiscais. A firma, por sua vez, recorreu a uma nação em desenvolvimento mais facilmente atraída por promessas econômicas que o Estado norte-americano.
Como um todo, as reservas no fundo do mar têm valor calculado que varia de US$ 8 trilhões a US$ 16 trilhões. As reservas estão concentradas em uma região do Pacífico conhecida como Zona Clarion-Clipperton, área de 4,5 milhões de km² — se fosse um país, seria o sétimo maior do mundo, antes da Índia — entre o Havaí e o México.
Acredita-se que na área haja 6 bilhões de toneladas de manganês, 226 milhões de toneladas de cobre, 94 mil toneladas de cobalto e 270 milhões de toneladas de níquel. A demanda por essas substâncias vem crescendo conforme o mundo troca os veículos tradicionais pelos elétricos, o que faz defensores da exploração veem o fundo do mar como solução.
Entre os países que defendem, de uma forma ou outra, o avanço da prática estão Coreia do Sul, Rússia e Noruega, além da China. Mas se a demanda pelos minérios hoje é alta, ela em breve pode cair.
A maior produtora de carros elétricos do mundo, a chinesa Build Your Dream (BYD), deixou de lado substâncias como cobalto, níquel e alumínio em suas baterias. Agora recorre ao lítio, com presença até onde se sabe irrelevante no fundo do mar, ferro e fosfatos — substâncias muito mais abundantes e fáceis de encontrar na superfície. A vice-líder de mercado, a Tesla, introduziu baterias similares em 2019.
Frente aos riscos, empresas como a Google, a BMW, a Volvo e a Samsung foram as primeiras a assinarem em março uma iniciativa da WWF para uma moratória até que os riscos da atividade sejam compreendidos por completo e todas as alternativas sejam exauridas.
Riscos ambientais
Dependendo de onde os minérios estejam, há técnicas diferentes de levá-los à superfície, de perfurações a robôs que retiram nódulos do fundo do mar.
Os holofotes, contudo, podem perturbar a vida em áreas onde não há incidência de luz natural, atrapalhando animais que usam da biofluorescência para navegar, encontrar predadores e se reproduzir, por exemplo. As vibrações podem ter consequências similares, assim como a locomoção dos robôs usados nos procedimentos.
Também teme-se qual pode ser o impacto dos dejetos retornados ao mar e das nuvens de sedimento geradas pelo processo. Aos medos soma-se o fato de a região ainda ser amplamente desconhecida: um estudo do Museu de História Natural do Reino Unido avaliou os registros de mais de 100 mil animais encontrados em Clarion-Clipperton e constatou que cerca de 90% das amostras eram desconhecidas da Humanidade.
Até hoje, 31 contratos de exploração — a etapa inicial para avaliar e explorar a viabilidade da extração em massa, antes da apresentação de uma proposta de mineração — foram emitidos pela ISA. China, França, Alemanha, Índia, Japão, Rússia e Coreia do Sul têm ao menos 18 dessas licenças primárias por meio de estatais ou órgãos oficiais, segundo a DSCC.
O Brasil já teve um contrato para a exploração na Elevação Rio Grande, a cerca de 1,2 mil km do litoral sul. Foi suspenso em 2021, contudo, após o país conseguir o reconhecimento de que a área é uma extensão de sua plataforma continental e, portanto, está sob jurisdição brasileira. A ISA só regula águas internacionais.
Com informações de O Globo.