Apesar do montante de R$170 bilhões destinado à reparação dos danos causados pela tragédia provocada pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), ocorrida no dia 5 de novembro de 2015, a Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG) se mostra insatisfeita com o acordo de reparação, firmado na última sexta-feira (25). A entidade questiona a capacidade do acordo de realmente reparar as perdas socioeconômicas e ambientais e denuncia a exclusão das cidades mineradoras das discussões. Para a AMIG, as falhas na fiscalização e a falta de investimento em infraestrutura da Agência Nacional de Mineração (ANM), por parte do Governo Federal, ainda deixam as regiões mineradoras vulneráveis a novas tragédias.
De acordo com Waldir Salvador, consultor de Relações Institucionais e Econômicas da AMIG, o montante destinado à repactuação representa, no máximo, um paliativo diante da extensão dos danos socioambientais. Ele argumenta que, quase uma década após o desastre, nenhuma quantia financeira poderá reparar adequadamente a devastação ocorrida, particularmente nos territórios da Bacia do Rio Doce e nas cidades litorâneas do Espírito Santo. Para Salvador, o desastre escancarou a ineficácia do sistema de fiscalização e regulação do setor minerário no Brasil, apontando falhas persistentes na ANM, a qual, se encontra enfraquecida e vulnerável, como evidenciado em relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que identificou bilhões em sonegação do pagamento da Compensação Financeira pela Exploração Mineral – CFEM, por parte das empresas mineradoras.
Esse histórico de negligência regulatória alimenta o temor de que tragédias semelhantes se repitam, a exemplo de Brumadinho em 2019, onde 270 pessoas perderam suas vidas. “A autossuficiência de fiscalização das mineradoras, sem uma supervisão estatal rigorosa, perpetua um cenário de autorregulação que coloca vidas e o meio ambiente em risco”, alerta Salvador.
O papel relegado dos municípios mineradores
Desde o desastre em 2015, considerado a maior tragédia ambiental do país e que matou pessoas, a AMIG tem solicitado uma participação ativa dos municípios mineradores nas discussões sobre a repactuação. Em resposta a essa pressão, apenas em 2023 a AMIG conseguiu o direito de colaborar nas conversas sobre o acordo. A entidade enfatiza que as cidades mineradoras, frequentemente relegadas a um segundo plano, necessitam de políticas de infraestrutura robustas e apoio à diversificação econômica para compensar a dependência da mineração.
A AMIG apresentou em 2023 à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag-MG), uma proposta para que parte do valor do acordo de repactuação fosse empregado em melhorias em modais rodoviários dos municípios mineradores e afetados pela atividade. A associação realizou um levantamento dos locais mais necessitados de investimento: a MG 030, que liga as cidades de Itabirito, Rio Acima e Nova Lima; MG 129, a Estrada Real que liga Mariana, Catas Altas, Ouro Preto, Ouro Branco e Congonhas; a MG 356, trecho que liga as cidades de Belo Horizonte, Nova Lima, Itabirito, Ouro Preto e Mariana, além do acesso à cidade de Itabira, no trevo da 381.
O Novo Acordo de Mariana prevê a destinação de um montante para melhorias em trechos da BR 262, 040 e 356, conforme pleiteado pela associação, porém muitas das sugestões da da entidade não foram contempladas. “A equipe técnica da AMIG fez todo um estudo e uma análise junto aos municípios para sugerir melhorias que são essenciais para minimizar o impacto que a atividade mineral causa nestes trechos e que são de suma importância para atrair projetos de diversificação econômica para estas regiões. Porém, mais uma vez os municípios mineradores e afetados não foram convocados para essa conversa de homologação do acordo e muito menos para a reunião de assinatura com o presidente da República. Um absurdo!”, declara o consultor da AMIG.
Waldir Salvador relembra que no Acordo Global firmado em 2021 entre o Estado de Minas Gerais e a Vale para reparação dos danos de Brumadinho, os territórios diretamente afetados pela tragédia ficaram de fora da discussão sobre a destinação dos recursos. “As cidades mineradoras de Minas Gerais e de todo o Brasil contribui com a geração de riqueza para os estados e a federação, mas são relegadas a um segundo plano, no momento de discussão e efetivação de políticas públicas, isso precisa ser mudado com urgência”, pontuou.
Para o Prefeito de Ouro Preto, Ângelo Oswaldo, o acordo é extremamente prejudicial aos municípios atingidos. “Ouro Preto, como município impactado e sede da Samarco, não foi contemplado devidamente, e tudo isso me parece um grande absurdo. Perdemos nove anos nas mãos da Fundação Renova, uma das maiores armadilhas já montadas no Brasil para lesar o interesse público, e não temos nenhuma resposta efetiva, consequente e produtiva para a atualidade e o futuro dos nossos municípios”, avalia.
Ele ressalta que o município continua prejudicado com grandes danos que não foram ressarcidos e reforça a importância de que haja uma revisão disso. “Por isso, o município de Ouro Preto vai entrar com um mandado de segurança contra esse acordo. Nem sequer fomos convidados para a reunião com o presidente Lula, no Planalto, em Brasília. A caracterização de Ouro Preto como município atingido ainda não está definida, apesar de decisões reiteradas da décima segunda vara da Justiça Federal em Belo Horizonte”, defende o prefeito.
Perspectivas e o olhar para o futuro
Para que o Novo Acordo de Mariana seja eficaz, a AMIG aponta a necessidade de transparência na destinação dos R$170 bilhões e de uma supervisão ativa dos projetos de reparação. A entidade enfatiza que parte desse valor deve ser investido em infraestrutura regional para que os municípios mineradores, além de enfrentarem os desafios socioeconômicos gerados pela atividade, possam vislumbrar alternativas de desenvolvimento. “A AMIG se compromete a acompanhar de perto o processo de homologação do acordo no Supremo Tribunal Federal (STF), buscando garantir que os interesses dos municípios mineradores sejam, enfim, reconhecidos e respeitados”, enfatiza o consultor.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse esperar que “as mineradoras tenham aprendido uma lição” com o episódio, afirmando que “ficaria muito mais barato evitar” o desastre, mas que “o dinheiro que poderia ter evitado essa desgraça é utilizado para pagar dividendos”. O chefe do Executivo ainda lamentou o fato de todas as ações destinadas à área social serem tratadas como gasto pela sociedade brasileira, pontuando que é preciso “mudar essa cultura” e que, se o presidente da Vale, na época, tivesse tentado evitar a tragédia, seria “taxado de irresponsável por gastar um dinheiro que não era necessário”.
A AMIG ressalta que o acordo representa, sem dúvida, um avanço nas tratativas de reparação da tragédia, mas também levanta questões sobre a efetiva implementação de políticas públicas que priorizem a segurança ambiental e a qualidade de vida das comunidades afetadas. “Para os envolvidos, o desafio agora é transformar compromissos financeiros em resultados palpáveis para a sociedade e para o meio ambiente”, alega.