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Por Redação
Uma disputa administrativa na Agência Nacional de Mineração (ANM) envolvendo direito de prioridade sobre uma área em Serra Pelada, no sudeste do Pará, coloca sob suspeição a atuação de servidores da ANM e ganha contornos de mais um caso de polícia. Por trás dessa disputa está um grupo ligado ao deputado estadual Chamom que possui forte influência na gerência do órgão no Pará.
Em 2018, a Cooperativa de Mineração e Agromineral dos Garimpeiros Proprietários de Catas de Serra Pelada (Coompro) solicitou autorização de pesquisa em uma área de 221 hectares. Um estudo de interferência revelou que a área estava onerada, levando ao indeferimento do pedido em 2019, conforme prevê o Código de Mineração. A Coompro não recorreu dessa decisão e o processo foi arquivado.
Após quase sete anos de arquivamento, a cooperativa tenta reativar o processo, alegando um erro no estudo original. A tese apresentada pela Coompro foi acatada pela ANM do Pará, que desconsiderou o direito de prioridade de outros processos minerários sobre a área em disputa.
Um detalhe curioso ajuda a ilustrar o zelo do caso: a análise de interferência favorável à Coompro foi assinada eletronicamente via SEI pelo servidor Edson Pojo Lima, no dia 5 de dezembro, às 21h29 – horário pouco usual para despachos administrativos.
A sequência dos fatos manteve o mesmo grau de eficiência administrativa: na sexta-feira (19/12), despacho assinado pelo gerente regional do Pará, Hugo Paiva Tavares de Sousa, e pela coordenadora regional de outorga, Felisbela de Loureiro Aquino, tornou sem efeito o indeferimento do Requerimento de Pesquisa por Interferência da Coompro, até então arquivado.
Após o cancelamento do indeferimento, a informação que circula nos bastidores é de que a emissão de um alvará em favor da Coompro já estaria encaminhada para ocorrer nos próximos dias, sem a análise prévia dos órgãos de controle e em pleno recesso administrativo de fim de ano.
Um especialista em direito minerário, que disse ao Minera Brasil que a administração pública não poderia mais anular a decisão de indeferimento devido ao tempo decorrido. E que essa tentativa de reativar um processo arquivado configura violação ao instituto da preclusão administrativa e ignora o prazo decadencial de cinco anos previsto na Lei nº 9.784/1999.
O que está em disputa?
No centro do conflito está o Processo ANM nº 850387/2022, pertencente a Hermes Pereira, que requereu em maio de 2022, autorização para pesquisar minério de ferro em uma área de 45,71 hectares localizada em Curionópolis (PA). Apesar de o pedido ter sido protocolado regularmente, a ANM considerou que a área estaria onerada por processos minerários anteriores – entre eles, o Processo nº 850837/2018, de titularidade da Coompro.
O imbróglio também envolve outros personagens no processo 850744/2014, um requerimento de Permissão de Lavra Garimpeira e o processo 850521/2022, que transformaria essa PLG em Requerimento de Pesquisa.
De acordo com denúncia apresentada na ANM, em julho de 2023, por Otoniel Reis da Silva, titular desses processos, argumenta que em abril de 2018, o então setor de Controle de Áreas da ANM no Pará realizou o estudo de retirada de interferências e chegou a emitir minuta de Permissão de Lavra Garimpeira, atestando que a área requerida se encontrava integralmente livre.
Em agosto de 2018, o processo avançou mais um passo com a conclusão da avaliação técnica, que segundo Silva atestaria que o requerimento estava devidamente instruído, atendendo às exigências legais.
A partir desse ponto, no entanto, o procedimento entrou em um longo período de inércia administrativa. Entre agosto de 2018 e o ano de 2022, o processo permaneceu praticamente sem qualquer movimentação relevante por parte da ANM no Pará.
Somente em de julho de 2022 houve novo andamento, coincidentemente após a apresentação do Requerimento de Mudança de Regime para Autorização de Pesquisa, que gerou o processo 850521/2022, negociado por Otoniel com empresário mineiro, Herverton Camargos.
Na disputa pelo direito de prioridade da área em litígio. Camargos relata que fez diversas petições na ouvidoria e diretoria colegiada da ANM, argumentando que seu processo é o detentor da prioridade.
Camargos diz que a omissão da ANM, na condução do caso possibilitou a especulação da área por um grupo ligado ao deputado Chamom, que se aliou a Coompro para reativar um processo arquivado. E que as decisões da ANM, vem lhe causando prejuízos financeiros, pois firmou acordos com superficiários e contratou geólogos para realizar os trabalhos de pesquisa na área.
Mas por que um processo extinto voltou à cena?
Segundo fontes que conhecem os bastidores da mineração no Pará. O irmão do deputado Chamom, Samir, adquiriu uma guseira em Marabá – empresa que produz ferro-gusa. Mas após perder uma área de exploração de ferro na região por decisão judicial, a família do parlamentar, que possui forte influência na ANM do Pará ficou sem uma fonte de minério para abastecer a guseira.
É nesse contexto que entra a área em disputa. Ela contém uma reserva abundante de minério de ferro. O Minera Brasil apurou que por trás dessa operação está o empresário paraense Luciano HB20, que articulou na ANM a reativação do processo da Coompro para abastecer a guseira da família do deputado.

Samir Chamon, irmão do Deputado Estadual Chamonzinho, foi preso em 2020 durante operação da PF, que desarticulou quadrilha que explorava ilegalmente minério de ferro. Os presos foram acusados de usurpar bem mineral pertencente à União e crimes contra o meio ambiente
Insegurança jurídica
Inconformado com desfecho Hermes Pereira, titular do processo 850387/2022 sustenta que a Coompro tenta reverter uma decisão desfavorável por meio ligações políticas e que o caso é emblemático de um problema recorrente no setor mineral: a instabilidade dos atos administrativos na ANM. que gera insegurança jurídica e afasta investimentos. Ele argumenta que não cabe à administração pública reabrir, anos depois, decisões já estabilizadas, salvo em casos de vício grave de legalidade — o que, segundo ele não ocorreu.
Outro ponto sensível levantado por Pereira diz respeito à documentação técnica apresentada pela Coompro em seu pedido original de pesquisa. A Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) apresentada não cobria elementos obrigatórios como memorial descritivo da área e planta de situação, o que, por si só, já exigiria o indeferimento automático do requerimento, conforme o artigo 17 do Código de Mineração.
Reflexos para o setor mineral
O caso lança luz sobre temas sensíveis para o setor de mineração no Brasil, como a prioridade de direitos minerários, previsibilidade regulatória e o papel da ANM na consolidação de decisões administrativas. Em um contexto de crescente demanda por minerais estratégicos e de busca por atração de investimentos, disputas como essa reforçam a importância de regras claras, respeito aos prazos legais e estabilidade institucional.
O desfecho do caso pode criar um precedente relevante para disputas envolvendo áreas minerárias em regiões históricas como Serra Pelada e um teste importante para a ANM que precisa se desvencilhar de interesses ocultos e atuar com imparcialidade, agilidade em casos complexos, que envolve interesses difusos nem sempre republicamos.
Procurada a ANN não se manifestou até o fechamento da reportagem. O espaço segue aberto para posicionamento do órgão sobre o assunto.













