Dono da sexta maior reserva de urânio do mundo, o Brasil domina o ciclo de produção de energia nuclear. Além disso, é um país neutro na geopolítica global. Esse cenário mostra uma janela de oportunidades para nos tornarmos um player no mercado Internacional de urânio, que vem ganhando destaque como fonte limpa de energia, no contexto da transição energética.
No entanto, o país precisa aprimorar sua estrutura regulatória para dar segurança jurídica ao mercado e superar a desconfiança de investidores nacionais e internacionais, que aportar recursos em projetos de pesquisa e desenvolvimento de minas de urânio, mas que esbarram no monopólio da União sobre a exploração e produção de urânio no país, sendo a INB (Indústrias Nucleares do Brasil) a responsável por todas as atividades de mineração e beneficiamento.
Esses foram temas centrais discutidos em Brasília por especialistas, representantes do governo, empresas e profissionais que atuam no setor, durante seminário promovido pela OAB-DF e Agência Minera Brasil. O evento busca estimular o debate e informar a sociedade sobres as perspectivas para o mercado de urânio no Brasil, no contexto da transição energética.
O evento teve a presença dos ex-ministros de Minas e Energia, Silas Rondeau e Bento Albuquerque. Rondeau é atualmente presidente da ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional), responsável pela construção e operação das usinas termonucleares de Angra e pelo ciclo de produção do combustível nuclear, que vai da mineração ao beneficiamento e enriquecimento.
Rondeau conta com o apoio do presidente Lula para dar impulso no programa nuclear brasileiro, que será retomado com a finalização de Angra 3. Ele sinalizou que o governo deve anunciar em breve medidas para estimular a pesquisa e produção de urânio no país. O assunto está sendo discutido pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que reúne diversos ministérios, entre eles Minas e Energia, Ciência e Tecnologia, Indústria e Comércio Exterior, Fazenda e Casa Civil da Presidência da República.
MOMENTO OPORTUNO
Silas Rondeau disse que está otimista com a decisão do presidente Lula de retomar o programa nuclear brasileiro. Governo está finalizando novas diretrizes para o setor que serão anunciadas pelo CNPE.
“O momento é oportuno para retomada do programa nuclear brasileiro. Estamos em um caminho de consolidação de esforços no sentido de reposicionar a geração de energia nuclear no Brasil. Angra 3 significa a retomada do programa nuclear brasileiro”, disse Rondeau, destacando que energia é vital para a economia e deve ser acessível, abundante, confiável e despachável. E esses são atributos da energia nuclear, disse, adiantando que na próxima semana haverá reunião do CNPE, que poderá trazer novas diretrizes do governo para o setor nuclear brasileiro.
Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN), avalia que sem energia nuclear não há transição. Ele citou que o Brasil domina o ciclo da energia nuclear, mas que é preciso uma decisão política para regulamentar o setor e atrair investimentos.
Cunha comentou que a mina de Santa Quitéria, no Ceará, possui 90% de fosfato, insumo essencial para produção de fertilizantes e pequena quantidade de urânio, aguarda há 20 anos, licenciamento para operar, quando a média internacional fica entre 6 e 8 anos. A presença do urânio, segunda ele, tem contribuído para a demora do licenciamento. “A empresa responsável pela mina já investiu cerca de R$ 200 milhões no projeto”, diz Cunha, dando um exemplo do descompasso que o setor enfrenta e afasta investidores.
PASSO TÍMIDO
Celeste Queiroz diretoria da ABPM disse que a entidade considera tímida a lei que flexibilizou o monopólio da União sobre minerais nucleares.
A criação de um ambiente regulatório que mitigue incertezas é o ponto crucial para o país atrair investimentos de alta intensidade de capital de risco e aumentar a competitividade brasileira no mercado internacional de urânio, avalia Celeste Queiroz Pereira, diretora da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM).
Ela diz que a ABPM considera tímida a Lei n.º 14.514 de 2022, que flexibilizou o monopólio da União sobre minerais nucleares. “Foi um passo muito tímido, na abertura para investimentos privados. Há muito a ser feito”, disse. Celeste concorda que esse é o momento para o governo rever o assunto e posicionar o Brasil como produtor competitivo no mercado global.
Ela disse também que a ABPM espera que as novas diretrizes do governo possam resolver o problema da insegurança jurídica que o setor enfrenta. “A abundância de recursos e oportunidade de expansão, somadas a capacidade tecnológica e de inovação e posição geopolítica estratégica, faz do Brasil um ator relevante na cadeia global de produção de urânio”. Porém, alerta: “Temos que agir rapidamente para não perder as perspectivas futuras”.
Frederico Bedran, presidente da Comissão de Direito Minerário da OAB-DF, concorda com a avalição. Segundo ele, o momento é de destravar gatilhos, como uma regulação capaz de atrair investimentos, a retomada de Angra 3 e o licenciamento do projeto Santa Quitéria.
EMPRESAS QUEREM REGRAS CLARAS
País perde oportunidadade por falta de clareza regulatória,avalia Giancarlo Silva, diretor da Ígnea Geologia e Meio Ambiente
Giancarlo Silva, diretor da Ígnea Geologia e Meio Ambiente, que presta consultoria para empresas internacionais que estão chegando ao Brasil com apetite para investir em minerais críticos para transição energética, como lítio e terras raras, comenta que é preciso estabelecer políticas claras e promover colaborações sustentáveis para não perder novas oportunidades de mercado.
Ele avalia ainda que o urânio vive um momento estratégico e o Brasil já perdeu ciclos de alta, devido à falta de clareza regulatória, mas que ainda existe oportunidade a serem exploradas, se o Brasil enfrentar as mudanças que precisam ser feitas de forma rápida.
Mauro Sousa, diretor-geral da Agência Nacional de Mineração (ANM), acredita que o mundo está diante de uma nova era da energia nuclear e o Brasil precisa superar gargalos regulatórios para aproveitar as oportunidades que o urânio oferece. “Precisamos de uma estrutura regulatória adequada”, pontua Sousa, que destacou a importância do debate para o setor nuclear brasileiro.