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Ricardo Lima
No sertão do Rio Grande do Norte, uma solução inovadora está utilizando esgoto tratado para viabilizar a mineração de ouro em um dos territórios mais secos do país.
A cidade de Currais Novos, com histórico de escassez hídrica, abriga o projeto Borborema, que reaproveita efluente sanitário como recurso industrial, resultado de uma articulação entre a mineradora Aura Minerals, a Caern e o poder público local. É o que revela matéria do Valor Econômico.
Reúso garante operação diante de escassez
A proposta surgiu diante de um dilema: como sustentar uma planta de mineração de ouro no semiárido? A resposta foi buscar no esgoto da cidade a água necessária para os processos industriais. A parceria permitiu que a água tratada passasse a ser bombeada para a operação do projeto Borborema, inaugurado em março com a meta de adicionar 83 mil onças de ouro por ano à produção global da Aura Minerals.
Hoje, 65% do esgoto urbano de Currais Novos já é tratado com fins industriais. A água utilizada pela mineradora vem da região central da cidade e não inclui os afluentes da zona rural. Segundo a Caern, o sistema instalado possui capacidade para bombear 80 metros cúbicos por hora — volume próximo ao de uma piscina olímpica.
“O montante total investido inclui R$ 48,4 milhões para tratamento e instalação de uma adutora. Ao longo dos anos, não há grandes problemas de escassez de água, mas, a cada oito ou dez anos, ocorrem eventos mais intensos que podem impactar a produção”, afirmou Rodrigo Barbosa, CEO da Aura Minerals.
A planta opera em circuito fechado: 90% da água é recirculada internamente e os 10% restantes vêm do esgoto tratado. Embora não potável, o líquido atende às exigências industriais. Além disso, os custos com energia e insumos para o tratamento são parcialmente cobertos pela empresa, que também arca com a energia utilizada na estação, gerando economia de cerca de R$ 10 mil mensais para o município.
Modelo atrai atenção de outras cidades
A cidade chegou perto do racionamento em 2024. Apesar disso, o uso do esgoto tratado não era uma exigência legal para a operação da mineradora. A Aura poderia recorrer à água convencional fornecida pela Caern, mas optou pelo modelo sustentável. Segundo a estatal, trata-se de uma solução administrativa, fora do escopo de uma PPP clássica, que reduz a necessidade de repasse de custos à população.
“Até antes, este efluente tratado não tinha utilização e agora ele passa a ser um novo produto que consideramos a peso de ouro”, declarou Thiago de Souza Índio do Brasil, diretor de operação e manutenção da Caern.
Os impactos ambientais e econômicos são relevantes, mas os desafios permanecem. De acordo com dados do Instituto Água e Saneamento, com base no Censo de 2022 do IBGE, cerca de 13 mil moradores de Currais Novos ainda não têm esgoto coletado, e mais de 11 mil não têm acesso regular à água tratada.
A expectativa é que a conclusão das obras do Projeto de Integração do Rio São Francisco até 2026 aumente o volume de esgoto disponível, fortalecendo a operação da mineradora. Atualmente, o fornecimento de efluente ainda é intermitente, pois a planta está em fase de “ramp up”, quando a produção ainda se estabiliza.
O modelo adotado já começa a inspirar novas iniciativas. Além da Aura, a cimenteira Elo também utiliza o esgoto tratado local. “Outros municípios já nos procuraram oferecendo água de reúso em arranjos semelhantes”, contou Souza, apontando que o modelo pode se expandir por outras áreas do semiárido brasileiro.